Esta pergunta, por mais que possa parecer extremamente ousada e até desrespeitosa para nós cristãos, permeia a mentalidade de grande parte de nosso mundo ocidental, e talvez não somente como uma pergunta, mas como uma convicção, “Deus não é mais necessário”. De fato, com o avanço das ciências e da tecnologia, há aparentemente cada vez menos espaço para Deus ou para a religião no mundo pós-moderno, principalmente nos grandes centros urbanos. A grande questão é: será que ao fazermos esta pergunta, estamos nos referindo realmente a Deus?
No
século XX, Dietrich Bonhoeffer, um teólogo alemão, refletindo sobre esta
mentalidade que surgia, deu inicio ainda que de forma quase involuntária, a um
novo tipo de teologia, chamado posteriormente de Teologia Secular. Suas reflexões
giravam em torno de que a sociedade da época havia alcançado a “maioridade” e
por isso estava expulsando Deus aos poucos da vida secular. Na época, tanto
teólogos radicais quanto conservadores viram em Bonhoeffer alguém capacitado
para levantar as suas bandeiras, de forma que muitos deles interpretaram
erroneamente o que este teólogo alemão afirmava. De qualquer forma, Bonhoeffer
conseguiu captar o pensamento que se insurgia na época e também incentivar
novos teólogos a o desenvolverem.
Harvey
Cox, um teólogo americano, publicou em 1965, um livro intitulado “A cidade do
homem” que causou grande barulho entre os teólogos. Nele, Cox afirmava que a
secularização do mundo nada mais era do que o banimento de qualquer compreensão
religiosa, das visões de mundo fechadas e a quebra de todos os mitos
sobrenaturais e símbolos sagrados. Para ele, a secularização excluía o
interesse em um deus além desta realidade, e focava no homem como responsável
pelo mundo e pela história da humanidade.
Tais
pensamentos dominaram a época em questão. Porém, Bonhoeffer estava longe de
desejar ou defender um mundo evoluído o bastante ao ponto de que Deus não fosse
mais necessário, pelo contrário, Bonhoeffer apenas sugeria que a forma como o
mundo moderno via e interagia com Deus deveria ser revista. Bonhoeffer mostrou
em seus escritos como de fato, Deus já não era mais um “deus necessário” como o
mundo o via. Para ele, o mundo via Deus somente como um “Deus de lacunas”, ou
seja, alguém que existia somente para preencher as áreas que o homem era
incapacitado de alcançar. Com o avanço da tecnologia e das ciências Deus
parecia ser cada vez mais desnecessário. O darwinismo colocou Deus em um lugar
ainda mais distante, ao sugerir que até mesmo a criação poderia ter ocorrido
sem a sua intervenção direta. Até o campo da alma e dos anseios mais profundos
do homem estavam sendo preenchidos pela psicanálise. Dessa forma, o que estaria
sobrando para Deus? Nada, somente a mera religiosidade para desencargo de
consciência.
Mas
é então que Bonhoeffer sugere algo que seja talvez extremamente pertinente para
nós até hoje. Este deus que o secularismo estava expulsando do mundo, não é o
Deus do cristianismo, mas sim, o deus das lacunas, o deus da religião
tradicional. Bonhoeffer sugere que a simples religiosidade superficial, sem
substancia e compromisso pessoal havia colocado Deus simplesmente na esfera das
lacunas, naquilo que precisava ser preenchido. Mas o Deus do cristianismo está
muito além disso.
Bonhoeffer
sugeriu que o cristão precisa aprender a deixar de ser meramente um religioso. “Tornar-se
cristão, não significa ser religioso de um jeito especifico”[1], seguir um tipo de método,
tornar-se cristão significa “tornar-se homem, não um tipo de homem, mas o homem
que Cristo cria em nós”. E ele também afirma: “Jesus chama a humanidade não
para uma nova religião, e sim para a vida”. De acordo com Bonhoeffer, atos
religiosos são coisas parciais, fé é algo integral.
Bonhoeffer
sugeria não que era bom que Deus fosse expulso do mundo, mas que era bom que a
religiosidade superficial, limitada a métodos e rituais fosse submetida àquilo
que realmente é essencial: a fé. Para ele, “Cristo é a realidade suprema e o
mundo é apenas parte desta realidade”.
O
cristão que vive no mundo secularizado deve aprender a viver para outros e não
simplesmente buscando o “deus das lacunas”. E como falar é fácil, Bonhoeffer
mostrou isto com a vida, ao recusar convites para lecionar nos EUA para liderar
a igreja secreta na Alemanha Nazista, onde foi preso e enforcado em 1945.
Bonhoeffer
estava longe de descobrir algo novo, pois a Bíblia sempre nos exorta a não
rebaixarmos a vida cristã à simples religiosidade, ou Deus a simplesmente
alguém que preenche espaços vazios em nossas vidas. Neste artigo, seu exemplo
foi usado para melhorar nossa compreensão sobre a pergunta em questão.
Um
deus que está limitado somente ao campo religioso, “sacro”, não é necessário
para o mundo moderno, o mundo esta cansado de religiosidade somente, mas este
não é o Deus do cristianismo. Nosso Deus está interessado em toda a realidade
de mundo, pois Ele é a própria realidade, e nEle tudo subsiste (Cl 1.17).
Precisamos aprender a sermos cristãos em um mundo secular. Precisamos aprender
a mostrar Deus como Ele de fato o é, e não como geralmente o apresentamos e
concebemos. Precisamos entender que não podemos limitar Deus aos rituais
religiosos, aos cultos de domingo, às orações nas refeições, a encontros de
jovens, louvorzões. Deus nos chama para experimentá-lo em tudo e a dedicarmos
tudo a Ele.
Um
bom exemplo deste dilema são os nossos tempos devocionais. Nós separamos um
tempo para estarmos a sós com Deus simplesmente para “bater o nosso cartão” espiritual
ou em busca de conhecermos e amá-lo ainda mais? Submetendo mais de nossas vidas
para Ele?
Que
nós não rebaixemos Deus ou nossa vida cristã simplesmente a rituais a serem
cumpridos, mas sim, vivamos uma VIDA com Ele, em todos os aspectos. Não estamos
buscando um deus das lacunas, somente para somente preenchermos nossos vazios,
mas buscando o Deus que é dono de todas as coisas e está acima de tudo.
“TUDO o que fizerem, seja
em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele
graças a Deus Pai” (Colossenses 3.17).
[1]
As informações e afirmações de Bonhoeffer foram retiradas da seguinte obra:
MILLER,Ed. L. Teologias Contemporâneas. Ed.
L. Miller e Stanley J. Grenz. São Paulo: Vida Nova, 2011. pag. 86-95.
Neste capítulo do livro, intitulado “Cristianismo Arreligioso” também são encontradas a obra de Harvey Cox e suas colocações principais. Para ambos os teólogos mencionados há notas de rodapé indicando onde as afirmações foram originariamente escritas de forma que o leitor possa encontrá-las.
Neste capítulo do livro, intitulado “Cristianismo Arreligioso” também são encontradas a obra de Harvey Cox e suas colocações principais. Para ambos os teólogos mencionados há notas de rodapé indicando onde as afirmações foram originariamente escritas de forma que o leitor possa encontrá-las.

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