Há no homem um vazio do tamanho de
Deus.
Fiodor
Dostoievski[1]
Depressão
O
que é depressão? Creio que muitas pessoas fazem esta pergunta quando passam, ou
veem alguém que lhes é querido passar, por esta enfermidade. Aliás, seria a
depressão uma enfermidade? Há quem diga que não passa de uma frescura, de um
capricho ou, simplesmente, preguiça por parte de quem diz estar sofrendo.
Há,
também, quem diga que seja algum pecado escondido, algo que precisa ser
reconhecido e confessado. Há até quem diga ser um demônio na pessoa. Estariam
certas estas teorias? Seria correto afirmarmos tais coisas sem antes
conhecermos o que ocorre no cérebro humano de quem passa por depressão?
A
Bíblia não usa o termo depressão em nenhuma de suas páginas. Logo, não adianta
procurar pelo termo nas Escrituras. No entanto, é preciso recordar que, embora
a Bíblia também não traga a palavra Trindade, cremos nela por vermos os
contornos da mesma nas Escrituras. O mesmo ocorre com a depressão.
A
Sagrada Escritura não afirma em nenhum lugar que determinado personagem teve
depressão. “No entanto, ela frequentemente descreve homens e mulheres que
manifestaram muitos dos sintomas da depressão e ansiedade”, afirma Dr. David
Murray.[2] Em alguns
casos, é difícil afirmarmos se tal personagem passou ou não por depressão. No
entanto, já em muitos outros casos, se tivéssemos um médico de hoje nos tempos
bíblicos, muita gente seria diagnosticada com depressão.
Como
bem escreveu o conselheiro bíblico Edward Welsh:
Procuremos a direção nas Escrituras. Se buscarmos a
palavra ‘depressão’, não encontraremos muitas referências, mas se ampliarmos a
busca para ‘sofrimento’, com suas infindas variações, ela ficará repleta de
sentido. Cada página terá o potencial de falar diretamente a você[3].
Assim,
encontramos vários personagens bíblicos que atravessaram o que hoje se chama
depressão. Dentre estes, encontramos Jó,
Asafe, Salomão, Elias, Jonas, Pedro, Paulo, Caim, dentre outros. Murray, em seu
livro sobre depressão, descreve também como os sintomas da depressão e da
ansiedade podem ser vistos em Moisés, em Ana e Jeremias. Ele afirma que “nesses
casos, é difícil dizer se os sintomas refletem uma depressão ou uma simples
baixa temporária. Dr. Martin Lloyd-Jones argumenta, a partir de evidência
bíblica, que Timóteo sofria de uma ansiedade quase paralisante.”[4] Murray
ainda destaca os casos de Elias, de Jó e de vários salmistas.
Como vive um depressivo?
Para
quem vive em depressão, descrevê-la é impossível. Senti-la, insuportável. Seria
como alguém afogando tentar explicar a sensação de afogar-se. Apenas se tal
pessoa for tirada do fundo do rio será capaz de explicar o que lá sentiu. É
assim que conhecemos o que sente alguém que passou por depressão. Quando saíram
dela e descreveram o desespero do momento.
Andrew
Solomon, autor de um dos melhores livros escritos sobre depressão, por alguém que
passou por depressão, afirma que:
No pior estágio de uma depressão severa, eu tinha
estados de espírito que não reconhecia como meus; pertenciam à depressão, tão
certamente quanto as folhas naqueles altos ramos da árvore pertenciam à
trepadeira. Quando tentei pensar claramente sobre isso, senti que minha mente
estava emparedada, não podia se expandir em nenhuma direção. Eu sabia que o sol
estava nascendo e se pondo, mas pouco de sua luz chegava a mim. Sentia-me
afundando sob algo mais forte do que eu, primeiro, não conseguia controlar os
joelhos e em seguida minha cintura começou a se vergar sob o peso do esforço, e
então os ombros se viraram para dentro. No final, eu estava comprimido e fetal,
esvaziado por essa coisa que me esmagava sem me abraçar.[5]
Gavin
Aitken e sua esposa Eleny Vassão escreveram um livro para ajudar quem sofre com
depressão chamado Dor na alma. Ao
descrever o depressivo, afirmam que a pessoa é capaz de chorar por horas e nem
saber porque está chorando. Neste estado, faltam emoções, sente-se fraqueza
física, não se consegue falar de propósito de vida, experimenta-se solidão
profunda e angustiante, além de pensamentos suicidas.[6]
A
rotina de uma vida espiritual se torna quase impossível em tal estado mental.
Nesta hora, a comunhão dos santos pode fazer toda a diferença. Estar com quem
sofre para sofrer com ele, chorar com ele, e orar com e por ele, pode fazer
muita diferença. Como escreveu Murray, “o crente deprimido não pode
concentrar-se para ler ou orar. Ele não quer se encontrar com as pessoas e
assim procura evitar a igreja e a comunhão. E frequentemente pensa que Deus o
abandonou.”[7]
A
esperança de que algo possa mudar praticamente desaparece. Semelhante a alguém
prostrado no fundo de um poço sem esperança de que alguém o encontre ali e
lance a corda, o depressivo sofre pela falta de esperança. Baxter (1615-1691),
chamando a depressão de tristeza
excessiva, afirma que esta atrapalha por demais a esperança. “Tais pessoas
gostariam de ter esperança, mas não conseguem. Todos os seus pensamentos são
cheios de desconfiança e apreensão, nada veem além de perigo, aflição e
desamparo.”[8] É assim
que, segundo Baxter, a tristeza excessiva consome o homem, incapacitando-o e
governando seus pensamentos.
Tornando
o ser humano incapacitado, este “morre” ainda estando vivo. Por mais que você
fale com ele, exorte-o, chacoalhe-o, nada parece mudar. E a razão é muito
simples: a depressão ceifa a alma de uma pessoa.
A depressão ceifa mais anos do que a guerra, o
câncer e a aids juntos. Outras doenças, do alcoolismo aos males do coração,
mascaram a depressão quando esta é a causa; se levarmos isso em consideração, a
depressão pode ser a maior assassina do mundo[9].
Talvez,
a parte mais triste da depressão seja que, dentro de muitas famílias,
sociedades e igrejas, a maioria das pessoas não compreende a depressão, e trata
o doente como culpado pela doença. Seria o mesmo que culpar um portador de
Síndrome de Asperger ou Esquizofrenia por serem como são por conta de um
pecado.
Ao
ver um comportamento errado, não devemos julgar imediatamente como pecado,
mesmo quando for em uma criança. A primeira infância deve ser analisada com
bastante cuidado, pois há muitas doenças neurológicas que não são
diagnosticadas, ou mesmo percebidas na primeira infância, e que levam crianças
a serem disciplinadas como se o comportamento errado fosse fruto de um pecado,
e não de um problema/doença neurológicas.
Imagine
que um conselheiro bíblico, vendo o mal comportamento de uma criança, oriente
seus pais a disciplinarem tal criança dizendo que este é o único meio para
corrigir o mal comportamento no coração de seu filho. Aparentemente, essa pode
ser uma correta e piedosa orientação, pois a Bíblia nos exorta a disciplinar
nossos filhos. Mas, e se o comportamento errado de uma criança for fruto de um
distúrbio ou doença neurológica como as citadas acima? Uma criança portadora de
Síndrome de Asperger nem sempre é diagnosticada nos primeiros anos de vida, e
vive como uma criança normal, apenas com alguns problemas comportamentais fruto
de uma disfunção neuroquímica cerebral.
O
que defendo aqui é que nem sempre a solução para a mudança de comportamento é a
disciplina ou o pré-julgamento, mas a sabedoria e o bom senso, que nos leva a
orar e pedir sabedoria a Deus para encontrar o melhor caminho.
Um
conselheiro cristão deve estudar e se dedicar em conhecer as doenças
neurológicas hoje reconhecidas. Infelizmente, muito daquilo que tem sido
considerado pecado nem sempre o é.
O
que quero dizer com tudo isso é que, assim como é absurdo alguém olhar para um
Asperger ou um Esquizofrênico e dizer: “isso é frescura, é pecado”, sem pedir
um exame médico que possa explicar tal comportamento, é absurdo olhar para um
depressivo e dizer: “isso é frescura, é pecado”, sem antes pedir um exame
médico que possa também explicar possíveis causas físicas.
Quanto
à depressão, concordo com Murray de que
um benefício adicional de se ter algum conhecimento
a respeito da depressão é que isso vai impedir o perigoso e prejudicial
equívoco que muitas vezes leva pessoas, especialmente cristãos, a verem os
medicamentos não como uma provisão de Deus e de sua graça, mas como uma
rejeição a Deus e à sua graça.[10]
Como
escreveu o príncipe dos pregadores, Charles H. Spurgeon (1834-1892), há cerca
de 150 anos atrás:
Está tudo muito bem para aqueles que estão com saúde
robusta e cheios de espírito para culparem aqueles cujas vidas são doentias ou
cobertas com pálido aspecto da melancolia, mas esta [doença] é tão real quanto
uma ferida aberta, e muito mais difícil de suportar porque faz tanto na região
da alma que para os inexperientes parece ser um mero caso de fantasia e
imaginação doentia. Leitor, nunca ridicularize o nervoso e o hipocondríaco, a
dor deles é real; embora muito da [doença] esteja na imaginação [processo de
pensamento], ela não é imaginária.[11]
Artigos relacionados
- Depressão - Introdução: Lidando com o meu coração
- Ansiedade
- Quando fracasso
- O suicida vai para o céu?
Wilson Porte formou-se Bacharel em Teologia pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida. Em 2011, obteve seu Mestrado em Teologia-Histórica pelo Centro de Pós-Graduação Presbiteriano Andrew Jumper, na Universidade Mackenzie.
Atualmente, é pastor da Igreja Batista Liberdade em Araraquara - SP; leciona Exposição Bíblica, Grego e Hebraico no Seminário Martin Bucer, onde também é presidente do Conselho; é tutor teológico do Curso Fiel de Liderança em São José dos Campos - SP; escreve para a Revista Acadêmica das Edições Vida Nova e é presidente do Conselho da CRBB (Comunhão Reformada Batista do Brasil).
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Atualmente, é pastor da Igreja Batista Liberdade em Araraquara - SP; leciona Exposição Bíblica, Grego e Hebraico no Seminário Martin Bucer, onde também é presidente do Conselho; é tutor teológico do Curso Fiel de Liderança em São José dos Campos - SP; escreve para a Revista Acadêmica das Edições Vida Nova e é presidente do Conselho da CRBB (Comunhão Reformada Batista do Brasil).
[1] IKEDO, Fabio. Um vazio do tamanho
de Deus. São Paulo: Abba Press, 2013, p.13.
[2] MURRAY, David. Crente também tem
depressão. Recife: Os Puritanos/Clire, 2012, p. 15.
[3] WELSH, Edward T. Depressão: a
tenebrosa noite da alma. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 12.
[4] MURRAY, op. cit., p. 16.
[5] SOLOMON, Andrew. O demônio do
meio-dia: uma anatomia da depressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014,
p. 18.
[6] AITKEN, Eleny Vassão de Paula; AITKEN, Gavin Levi. Dor na alma: depressão, uma dor que ninguém compreende. São Paulo:
Cultura Cristã, 2007, p. 15.
[7] MURRAY, op. cit., p. 17.
[8] BAXTER, Richard. Superando a
tristeza e a depressão com a fé. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 28.
[9] SOLOMON, op. cit., p. 25.
[10] MURRAY, op. cit., p. 18.
[11] Charles Spurgeon. The Treasure of David. 3 vols. Newark: Cornerstone,
1869, 2:132. In: MURRAY, op. cit, p. 29.
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